Curaçao: Um Caribe cheio de História

A ilha de colonização holandesa tem praias deliciosas, mas vai além disso, esbanjando cultura e gastronomia. Veja como foi nossa visita por lá e inspire-se para quando a pandemia acabar!

Fotos: Paulo Mancha (exceto quando indicado)

Existe uma máxima entre os repórteres de viagem que diz: “Escrever sobre o Caribe só é trabalhoso na primeira vez; nas demais, você usa o mesmo texto e apenas troca o nome do país…”. Obviamente, é uma piada. Mas, como muitas outras anedotas, tem um fundo de verdade.

As ilhas caribenhas são de uma beleza singular, mas também se parecem bastante: praias de areia branquinha, mar azul turquesa, resorts portentosos, clima de festa… Algumas, contudo, vão além disso. Esbanjam história, cultura, tradições, culinária peculiar e até língua própria. Esse é, exatamente, o caso de Curaçao.

O país faz parte do chamado “ABC caribenho”, ou seja, as iniciais de três ilhas colonizadas pelos Países Baixos: Aruba, Bonaire e Curaçao. É a maior delas, assim como a mais populosa e aquela que mais protagonismo teve na história da passagem holandesa pelo hemisfério Sul. Se a natureza ali encanta, a história também surpreende.

Ponte Rainha Emma

Curaçao fica próxima à Venezuela e, portanto, fora da área de risco de furacões no Caribe. Não há voo direto a partir do Brasil, mas a ilha é facilmente acessível com conexão em Bogotá, na Colômbia, ou na cidade do Panamá. Tem 440 km2 – o mesmo tamanho da porção insular de Florianópolis – e uma população de 160 mil pessoas – ou seja, quatro vezes menos gente que a capital catarinense.

A comparação não é à toa. Assim como nosso balneário, Curaçao é um recanto repleto de praias isoladas, distantes das áreas urbanas, e com um centrinho cheio de charme, onde as pontes viraram cartão postal.

A grande diferença é a arquitetura, com seu legado holandês preservadíssimo. Você provavelmente já deve ter visto alguma vez aquela imagem clássica das casinhas coloridas enfileiradas, todas estreitas e de telhados altos, agudos, no melhor estilo dos cartões postais de Amsterdam, só que de frente para o mar. Esse incansável clichê tem o nome de Punda, bairro que é o coração de Willemstad, a capital de Curaçao.

Delicioso labirinto – Punda cresceu em torno do Forte Amsterdã, construído em 1648. A partir daquele ano, os holandeses transformaram Curaçao num entreposto comercial e o porto Schottegat viu décadas e mais décadas de frenesi. Armazéns, lojas, prédios públicos, igrejas… Tudo surgiu nesse bairro central e – para alegria dos turistas de hoje – a maioria dessas benesses foi preservada. Praticamente tudo que se vê neste lugar é tombado pela Unesco como “Patrimônio da Humanidade”.

Ruazinhas e becos cheios de cor permeiam boas lojas, cafés e restaurantes. Dá pra achar de tudo: da última moda europeia aos perfumes franceses, de porcelanas inglesas a eletrônicos japoneses (e chineses, claro), de artesanato da Indonésia a joias holandesas… E com um atendimento cheio de simpatia, de um povo que fala quatro línguas no dia a dia (holandês, inglês, espanhol e papiamento).

Nada mais agradável que passear, de dia ou de noite, pelo gracioso labirinto e, no final, descontrair num dos bares que ficam de frente para o canal que cruza Willemstad, com a vista privilegiada da pitoresca Ponte Queen Emma (que é apenas para pedestres e se abre quando navios precisam passar) ou da grandiosa Ponte Queen Juliana (com seu enorme vão de 60 metros de altura).

Também dá pra encontrar muita história por ali. Em Punda fica o Forte Rif, erguido em 1828, hoje transformado em shopping center a céu aberto, com uma unidade da rede de hotéis Renaissance ocupando suas dependências.

Sem falar na sinagoga Mikvé Israel-Emanuel – considerada a mais antiga das Américas continuamente em funcionamento, já que nunca deixou de exercer sua função, desde a inauguração, em 1732. Ela acolhe a mais longeva congregação judaica ativa nas Américas, datada de 1651. Vale a pena conhecer seu museu de arquitetura muito peculiar e acervo instigante.

Falando em museus, há dois que merecem sua visita. O Maritime Museum conta a história das Grandes Navegações dos séculos XV e XVI, além de toda a saga marítima de Curaçao desde então. Há dezenas de maquetes de navios de todos os tipos e eras – o que deixa fascinadas, sobretudo, as crianças. Sem contar o passeio de barco pela região portuária, incluído no ingresso (convém consultar antes, pois ele tem horário e lotação restritos).

Igualmente imperdível é o Kura Hulanda Museum, situado no bairro de Otrobanda – nome que, e no idioma papiamento, se refere às “outras bandas” – ou seja, o lado oposto do canal. Declarado Patrimônio da Humanidade pela UNESCO, o Kura Hulanda é um dos mais completos museus do mundo sobre a escravidão africana e sobre a cultura dos povos que vieram da África para a América entre os séculos XVI e XIX. Veja a reportagem que fiz lá.

Cultura ilha adentro – Rumo à extremidade norte da ilha, desponta a Landhuis Savonet, uma típica fazenda dos séculos XVIII e XIX. Naquele tempo, ela produzia lã, milho, legumes, carne e madeira. Hoje, é um ilustrativo museu, que conta toda a história da região. A sede, com sua arquitetura colonial, foi um dos bastiões da resistência contra a invasão dos ingleses, em 1804.

E o mais bacana é que a visita a Savonet leva, invariavelmente, a uma das mais belas atrações naturais da ilha: o Parque Nacional Shete Boka, praticamente ao lado da fazenda. Trata-se de um conjunto de sete rochedos (ou sete bocas, no idioma papiamento) através dos quais as águas revoltas do Atlântico quebram de forma espetacular, garantindo um verdadeiro show aos visitantes.

Esse rincão selvagem é adorado pelos adeptos do trekking e da aventura, com suas cavernas, colinas, trilhas e até mesmo pequenas praias isoladas onde se pode apreciar tartarugas, iguanas e outros bichos em seu habitat natural.

Pirate Bay Curaçao Beach Club

Não se assuste com as ondas inclementes desta região. Curaçao tem dois lados completamente diferentes. A porção voltada para a imensidão do Atlântico, a leste e nordeste, é de fato açoitada por águas bravias – tanto que é bem menos habitada e pouco desenvolvida.

Já o lado que olha para a América, a sudoeste e oeste, é, banhado por lânguidas marolas, em nada menos que 38 enseadas espalhadas por 60 km de costa. Todas elas cumprindo com o estereótipo caribenho: areias claras, águas verde esmeralda, com uma transparência difícil de acreditar.

É difícil definir qual delas é a mais agradável. Muitos afirmam ser Kenepa Grandi, com seus corais perfeitos para um mergulho de snorkel. Nessa mesma pegada, há a Playa Forti e a Playa Lagun, muito procuradas devido frequente presença de tartarugas, atraídas pelos peixes devolvidos ao mar por pescadores da região, após chegarem nas areias com seus barcos coloridos.

Outros apontam como a praia mais bacana a pequena e isolada Jeremi, protegida por um enorme paredão de pedra à esquerda e completamente desprovida de sinais de vida humana… Mais idílica que ela, só Klein Curaçao, numa ilhota deserta, com ares de cenário de Hollywood, onde só se chega de barco.

Bem diferente da badalada Pirate Bay, que ostenta quiosques com drinques exóticos, aluguel de equipamentos de mergulho, esportes náuticos e afins – tudo isso ao lado do tradicional Hilton Curaçao, um dos mais antigos resorts (de verdade) do Caribe, que está completando 50 anos de existência.

Gastronomia peculiar – É bem ali que fica um dos estabelecimentos mais divertidos da ilha, o Pirate Bay Curaçao Beach Club. Com música ao vivo e pratos e drinques típicos, ele é um legítimo “restaurante pé na areia”. Porque as mesas estão, de fato, na praia, e você pode comer, beber e dançar entre um mergulho e outro.

A gastronomia, por sinal, é um ponto alto da jornada por Curaçao. Como qualquer ilha caribenha, não faltam bons pescados e frutos do mar à mesa. Se você não prescinde de uma generosa lagosta gratinada ou de fartos camarões fritos à perfeição, com acompanhamentos pouco usuais, como o abacate, a pedida é o Salt Water Rif Terrace, restaurante literalmente sobre o mar, na John F. Kennedy Boulevard.

Mas o diferencial desta ilha é a mescla de culinária africana e holandesa, expressa em pratos como o keshi yena. A iguaria é feita com uma farta porção de queijo gouda, envolvendo um refogado de frango, cebola, tomate, pimentão, cebola e especiarias. Tudo assado em forno a lenha até atingir uma sutil crocância, servido com chips de banana…

Um dos melhores locais para degustar esse prato é o descolado Café Gouverneur de Rouville, em Otrobanda. Instalado na antiga mansão de um governador local (daí o nome), o lugar ferve na happy hour, quando o clima de descontração se traduz nos drinques coloridos, preparados com o legítimo licor curaçao – que, ao contrário do que todos pensam, não é só azul; ele pode ser produzido igualmente nas cores vermelho, laranja e verde.

Com a belíssima vista panorâmica das casinhas coloridas de Punda ao longe e a romântica cena dos veleiros cruzando o canal de Willemstad ao pôr do sol, não há forma mais arrebatadora de terminar um dia no Caribe holandês.


DICAS DO PARMESOLINO

Parmesolino prestes a mergulhar em Shete Boka…

GRANA... É o florim das Antilhas Holandesas (ANG). ANG 1 = R$ 2,87 (cotação de julho de 2020). Mas tem tanto gringo aqui que pode usar dólar numa boa, avisa nosso mascote.

BUROCRACIAS… Brasileiros não precisam de visto para entrar, mas têm preencher um formulário online antes da viagem. E não entra se não tiver tomado vacina de febre amarela pelo menos 10 dias antes de viajar… prepara a bunda!, alerta nosso mascote, sem saber que, em humanos, a vacina é dada no braço. Saiba mais clicando aqui. 

Parmesolino muito louco…

ROLÊ… Alugar um carro para percorrer a ilha pode ser uma boa pedida, mas tenha em mente que é difícil achar onde estacionar em Willemstad. O transporte público é bastante limitado. Na capital, há dois tipos: os ônibus grandes, chamados de Konvooi (passagem a 2 ANG), as vans chamadas de “bus” (passagem a 3 ANG). Os terminais estão localizados ao lado dos Correios, em Punda, e ao lado da passagem subterrânea em Otrobanda. Algumas rotas cobrem as praias fora da cidade. “Mas esses ‘busão” só circulam só até escurecer; perdeu o da volta, dorme na praia com os vira-latas caramelo…“, avisa nosso mascote, que é vira-lata e caramelo; 

QUANDO… Temperatura (quente) e chuvas (pouquíssimas) são praticamente constantes ao longo do ano. Portanto, dá visitar a ilha sem perigo o ano todo, ainda que fique tudo mais caro entre o Natal e a Páscoa. “E não tem furacão aqui, por que estamos ao sul da zona de intensidade de ciclones tropicais…”, diz o nosso mascote metido a meteorologista…

Publicado por Paulo Mancha

Jornalista especializado em turismo, foi editor chefe da Revista Viajar pelo Mundo e repórter das revistas Terra e Próxima Viagem. Desde 2003, fez mais de 50 reportagens internacionais e, em 2012 e 2014, foi agraciado com o Prêmio de Melhor Reportagem da Comissão Europeia de Turismo. Comentarista esportivo do canal ESPN, Paulo decidiu unir neste blog as duas paixões: viagens e esportes.

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