A cidade que deu ao mundo os Beatles tornou-se um templo à cultura e atrai visitantes graças a sua identidade e ao seu time de futebol
Adaptação em 10/5/2013 da reportagem publicada na ed. 25 da Revista Viajar pelo Mundo
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Quando o piloto anuncia o pouso, é difícil não estranhar nome que soa no alto-falante do avião: “Senhoras e senhores, em alguns minutos desceremos no Aeroporto John Lennon”. John Lennon? Será isso mesmo? Afinal, no mundo todo, os aeroportos costumam ser batizados em homenagem a estadistas ou políticos – muitos deles desconhecidos do público em geral. Mas é esse mesmo o nome da porta de entrada de Liverpool – John Lennon, o mais ousado dos Beatles, autor de hinos como Imagine e Revolution, o roqueiro que um dia se declarou mais famoso que Jesus Cristo. Alguma revolução aconteceu nesse lugar. E é possível imaginar isso antes mesmo de pousar. Uma vez em terra, a realidade é, de fato, surpreendente.
Distante apenas meia hora de avião de Londres (ou duas horas e meia por trem), a quarta maior cidade do Reino Unido é um recanto muito peculiar. Ela deu ao mundo contribuições como a primeira companhia de navios transatlânticos, o primeiro clube de rugby e o jogo de palavras-cruzadas – inventado por um de seus habitantes, o jornalista Arthur Wynne – e o mais vitorioso time de futebol da Inglaterra, o Liverpool FC. Se você não se convenceu de que essas inovações mudaram o planeta, então vamos mais longe: Liverpool também deu à posteridade os Beatles, de John Lennon. Sim, o grupo musical que a partir dos anos 60 mudou os rumos da música, da cultura pop, da política e do comportamento. Ao trilhar ruas e avenidas, você não conseguirá esquecer os quatro garotos roqueiros por muito tempo. O orgulho da cidade em torno de John Lennon, Paul McCartney, George Harrison e Ringo Star é tão grande que eles estão em tudo: do nome do aeroporto ao do hotel mais procurado; dos bares aos museus; dos parques aos cemitérios.
Desde a Idade Média – Mesmo que você não seja um fã de música, o clima envolve e leva qualquer um a uma viagem que mescla o passado vitoriano ao presente eclético. Antes de enveredar pela íntima relação dos roqueiros com a cidade, vale a pena voltar no passado. Pois Liverpool tem 805 anos de idade e já era importante muito antes dos Beatles. Situada à beira do Rio Mersey, a poucos quilômetros do Oceano Atlântico, a vilazinha surgida na Idade Média virou um importante porto. No Século 19, nada menos que 40% de todo o comércio mundial passava por ali.
O resultado foi uma riqueza sem igual na Inglaterra, que moldou de forma graciosa sua região portuária. Isso lhe rendeu em 2002 o título de “A mais bela cidade vitoriana”, segundo o English Heritage – o conselho inglês de preservação do patrimônio histórico e arquitetônico. Em outras palavras, Liverpool é o mais bem preservado complexo urbano do período da Rainha Victoria (1837-1901), a época de ouro do país, quando se estabeleceu o grande Império Britânico. Esse foi um dos fatores que contaram para que fosse eleita Capital Cultural da Europa em 2008 e para que se tornasse o 3º maior destino turístico do Reino Unido, atrás apenas de Londres e Edimburgo (Escócia).
Quem a visita percebe isso logo de cara, graças às Three Graces (“Três Graças”), apelido dado a três construções de valor arquitetônico ímpar: os palácios Royal Liver, Cunard Building e o prédio central do Porto de Liverpool. Usados como órgãos públicos, eles se destacam na paisagem, principalmente quando vistos de dentro do rio – sim, existe um delicioso passeio pelas águas do Mersey, de onde se pode apreciar a cidade (confira no final desta reportagem).
Ao lado das Three Graces, espalha-se um complexo tombado pela UNESCO como Patrimônio da Humanidade. São antigos armazéns transformados em uma miríade de museus, bares, restaurantes e centros culturais. Seu nome é Albert Dock – o ponto turístico central da cidade. Ali está a Tate Gallery. Não, não há nenhuma confusão aqui: se você tinha ouvido falar que esse importante museu de arte ficava em Londres, saiba que ele tem uma filial em Liverpool também. E o mais interessante é que, diferentemente da sisuda sede na capital inglesa, sua irmã mais nova é vizinha das baladas e da vida noturna de Albert Dock.
O Museu dos Beatles – Por sinal, outro museu compete com a Tate Gallery pela atenção de quem visita os antigos armazéns. É o The Beatles Story (olha eles aí!), quase ao lado. Trata-se de uma verdadeira viagem pela história do grupo musical por meio de fotos, filmes, vídeos e artigos raros – como o primeiro violão de George Harrison, os equipamentos de gravação que usaram em seu primeiro disco ou a primeira foto de Paul McCartney e John Lennon juntos, quando ainda nem se conheciam e apenas freqüentavam a mesma escola. Até uma réplica em tamanho real do Star Club – o bar em que se celebrizaram em Hamburgo, na Alemanha – está ali.
O museu dedicado aos Beatles é tão grande que precisou abrir uma subsede no ano passado. Ela fica em outro lugar tombado pela UNESCO: o Pierhead – plataforma de onde partem os barcos que fazem travessias e passeios turísticos pelo Rio Mersey. Nesse segundo prédio, há um cinema em 4-D onde uma aventura virtual por Liverpool diverte adultos e crianças, com trilha sonora do grupo, é claro. Não faltam borrifos de água sobre a platéia quando surge o Yellow Submarine ou aroma de morango nos Strawberry Fields – ambos temas de canções dos Beatles. Além disso, há uma comovente exposição sobre a vida John Lennon, com depoimentos em vídeo de diversas pessoas ligadas ele.
O lugar é tão procurado que a prefeitura decidiu construir, ao seu lado, o novíssimo Museu de Liverpool, um dos mais modernos e interativos do planeta. Não pense, porém, que toda essa imponência e riqueza fizeram de Liverpool um reduto de “pura tradição inglesa”. Pelo contrário, o dinheiro atraiu gente de outras paragens. A cidade foi palco da primeira comunidade de negros africanos livres na Grã-Bretanha e da mais antiga colônia de imigrantes chineses em toda a Europa – ambas datando do Século 19. Por isso, lá está o único museu da Europa dedicado à história da escravidão, o International Slavery Museum, que possui, inclusive, informações e artefatos oriundos do Brasil.
Já o bairro chinês da cidade é um dos mais autênticos do mundo, com o maior portal de entrada em estilo típico fora da própria China. Quando o tema é imigração, ninguém bate os irlandeses, no entanto. Faz sentido: a viagem de barco até Dublin, capital da Irlanda, dura menos de 6 horas. Sempre que uma crise afetava aquele país, o porto do lado de cá fervilhava. E isso alterou sobremaneira os costumes, a cultura e até o jeito de falar em Liverpool.
Eles falam outra língua – Se você já foi para Londres e se acostumou ao sotaque “oficial” da Terra da Rainha, experimente bater um papo com um motorista de táxi da cidade dos Beatles: é quase impossível entender o que dizem. E eles se orgulham disso (confira quadro sobre o dialeto scouse no final do texto). À parte do sotaque, os imigrantes introduziram ares cosmopolitas em uma Inglaterra sempre tão altiva e cheia de si. Quem conhece a história dos Beatles sabe que, ao contrário dos grupos musicais do resto do país no final dos anos 50 – centrados nas tradições locais -, os garotos de Liverpool eram abertos a tudo que vinha de fora: do rock americano às propostas para tocar na Alemanha. Coisa de quem vive ao lado de um porto freqüentado por gente de todos os cantos do planeta.
A diversidade religiosa resultante da imigração também diferenciou a cidade e se traduziu numa saudável competição entre quem fazia a igreja mais bela. Isso gerou dois pontos turísticos obrigatórios. O primeiro é a Catedral Anglicana, a maior de toda a Grã-Bretanha. Construída em estilo gótico, ela começou a ser erguida em 1904 e levou 74 anos para ser terminada. A outra é a Catedral Católica. Frequentada na sua maioria por descendentes de irlandeses, ela foi concebida no começo da década de 1960 e é sempre comparada com a nossa Catedral de Brasília por seu estilo moderno, completamente inovador para a época.
O curioso é que a maioria dos turistas admira esses templos apenas por fora, no caminho para outro ponto de visitação constante: as casas onde nasceram e viveram respectivamente Paul McCartney e John Lennon (olha eles aí de novo!). Quando criaram os Beatles, John e Paul moravam no agradável bairro de Garston. Ambas as residências foram transformadas em museus, que só podem ser visitados com hora marcada (www.nationaltrust.org.uk). Dentro dos imóveis, tudo como nos anos 50: desde a TV em preto e branco em John viu Elvis Presley pela primeira vez (e de onde tirou a ideia de ser músico) até o sofá onde Paul passava suas tardes dedilhando o violão, sob reclamações dos pais.
Lugares que inspiraram os Beatles – Se você for às casas de John e Paul, certamente passará por três outros lugares cultuados pelos “beatlemaníacos”, por terem inspirado algumas das composições mais famosas do grupo. O primeiro é Penny Lane, a avenida onde os quatro rapazes se reuniam para pegar o bonde até o centro da cidade. O segundo é o cemitério da Paróquia de St. Peter, onde fica a sepultura de Eleaonor Rigby. Por fim, o Strawberry Field, um jardim pertencente a um orfanato que era sorrateiramente invadido pelos dois garotos para cometer suas primeiras rebeldias, como fumar e beber escondido, ainda no fim dos anos 50.
Essa rebeldia, como bem se sabe, se converteria uma década depois em protesto – contra as injustiças e a favor da paz. Os quatro garotos de Liverpool sabiam muito bem do que falavam quando o assunto eram os horrores dos conflitos armados. Durante a Segunda Guerra Mundial, quando eles eram ainda crianças de colo, a cidade foi uma das mais bombardeadas pelos nazistas. Foram mais de 80 ataques, que mataram 2500 pessoas e danificaram 50% das construções. Desse período trágico ficou como uma lembrança para a humanidade a Igreja de St. Luke. Construída em 1811, ela teve todo o seu interior destruído em 5 de maio de 1941. As paredes externas sobreviveram e o esqueleto foi assim mantido desde então, ganhando a proteção do Patrimônio Histórico da Grã Bretanha e tornando-se outra das atrações mais procuradas por quem visita a cidade.
Um dos poucos pontos que sobreviveram intactos aos bombardeios foi a região de Victoria Street, onde se pode apreciar o melhor da arquitetura vitoriana. E é numa das ruazinhas desse bairro central que nos anos 50 os jovens passaram a se reunir para apreciar um ritmo bem local – o Merseybeat. A tal rua se chama Matthew Street e nela se localiza um bar que está para os fãs de rock como o vaticano para os católicos ou Meca para os islâmicos. É o Cavern Club, a casa noturna subterrânea onde… bem, você já deve imaginar quem iniciou carreira ali. Os Beatles foram atração fixa do Cavern Club entre 1961 e 1963, quando saíram da cidade para alçar voo em direção a fama mundial.
Um hotel para beatlemaníacos – Hoje, não apenas esse bar os homenageia diariamente, mas diversos outros estabelecimentos espalhados pela Matthew Street e adjacências fazem referência a eles. O mais imponente é o Hard Days Night Hotel, um hotel cinco estrelas onde tudo foi inspirado na história da banda e suas canções – inclusive o restaurante e seu cardápio. Há opções mais luxuosas assim como mais baratas, é claro. Mas quem vai a Liverpool e, de quebra, se hospeda nesse hotel acaba tendo uma experiência completa: acordar, passar o dia todo e ir dormir acompanhado dos Beatles. Uma verdadeira magical mystery tour pelo berço de uma revolução cultural.
Inglês, não! Eu sou scouse!
“Eu não sou inglês, sou scouse!” Essa frase pode ser vista em adesivos grudados em taxis e carros que circulam por Liverpool. Scouse é o nome do dialeto local e também como se autodenominam os torcedores do Liverpool Football Club – o outro orgulho da cidade, além dos Beatles. O time é o maior vencedor do futebol inglês e conta com uma legião de torcedores fanáticos a ponto de muitos apoiarem o separatismo na região. “Não temos nada em comum com os ingleses, nem o jeito de falar, como você pode ver”, diz o taxista Ian Jones, cujo ponto fica em frente ao Anfield Stadium.
Clique aqui para conhecer as tours pelo museu e pelo estádio do Liverpool FC
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DICAS DO PAULO – LIVERPOOL
Fuso Horário: Liverpool tem 4 horas a mais em relação ao horário de Brasília.
Clima: Liverpool tem o clima marítimo temperado. Isso significa muita umidade, mas pouca neve e frio não tão intenso no inverno. A temperatura média é de 20ºC em julho e 2ºC em janeiro.
Na internet: http://www.visitbritain.com/pt/BR
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Cavern Club (10 Matthew Street, http://www.cavernclub.org). Aqui os Beatles despontaram para a fama. O bar, que chegou a ser desativado nos ano 70, foi reconstruído e hoje é um templo ao rock, com música ao vivo todos os dias a partir das 14h – quase sempre covers e tributos aos Beatles. Não cobra entrada e os horários de abertura variam (confira no website).
Museu The Beatles Story (Albert Dock, http://www.beatlesstory.com). Um completíssimo museu interativo sobre os Beatles, com área para crianças, lojas, exposições e cinema 4-D. Aberto todos os dias, das 9h às 17h, ingresso a £12.95.
Passeio Magical Mystery Tour (saída em Albert Dock, http://www.beatlestour.org). A empresa oferece diversos passeios pelos pontos da cidade relativos aos Beatles, como o Cavern Club, as casas de Lennon e McCartney (apenas por fora), a avenida Penny Lane outros. Há opções de duas a sete horas de passeio, em grupo ou com guia individual. Todos os dias, a partir de 9h30, com ingressos a partir de £14.95
Passeio no Mersey Ferry (Pier Head, Georges Parade, http://www.merseyferries.co.uk). Um passeio de barco de uma hora pelo rio Mersey, de onde se pode avistar toda a cidade. Custa £2.45. Existem as opções de visitar um submarino alemão da Segunda Guerra Mundial e um museu aeroespacial, a £14 por pessoa.
Galerias de Albert Dock (Riverside Walk. http://www.albertdock.com). É um enorme complexo de armazéns portuários transformados em galerias de arte (como a Tate Gallery), lojas, museus, bares, restaurantes e hoteis. Ao lado, fica uma enorme roda gigante e a Echo Arena, onde acontecem shows e eventos.
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Restaurante Blakes (5 North John Street, http://www.harddaysnighthotel.com/blakes-restaurant.html). É o restaurante temático dos Beatles, anexo ao Hard Days Night Hotel. Decorado com fotos dos músicos e de personagens dos anos 60, tem culinária apurada, com destaque para os frutos do mar.
Hotel Hard Days Night (5 North John Street, http://www.harddaysnighthotel.com). Hotel-butique, com decoração toda inspirada nos Beatles – tem até uma estátua de cada um deles na fachada. Fica ao lado do chamado Cavern Quarter, onde estão os melhores bares e baladas da cidade. Diárias a partir de £85 (casal, sem café da manhã).
Hotel Premier Apartments (7 Hatton Garden, http://www.premierapartmentsliverpool.com). Opção pra lá de econômica para quem viaja em família ou em grupo. No sistema de flat (sem serviço de quarto), oferece apartamentos espaçosos e equipados. A dez minutos de caminhada do Cavern Quarter. Diária do apartamento a partir de £66.
Acabei de descobrir seu blog e vou indicar para um primo meu que quer fazer um mochilão pra Europa focado nos times de futebol!