Veja a história de Walter Silva e Thomas Noonan, que narraram uma temporada inteira da NFL na TV Tupi, em São Paulo, em 1969
Em 2009, durante uma transmissão da NFL, recebi dois e-mails de pessoas que afirmavam ter visto jogos de futebol americano na televisão brasileira em 1969. Eram os fãs de esportes Fernando Fernandes, de Teresópolis (RJ), e Reginaldo Magno Branco de Moraes, de São Paulo.
Eu nunca tinha ouvido falar disso e fui averiguar.
Descobri que era verdade, e que trata-se de uma história muito bacana, protagonizada por um ícone da comunicação no Brasil, o radialista Walter Silva, também conhecido como “Picapau”.

Walter Silva foi o introdutor e primeiro entusiasta do futebol americano no Brasil, em 1969. Também era um homem da música e, entre outros feitos notáveis, foi o descobridor de Elis Regina.
Faleceu em fevereiro de 2009, após uma pródiga carreira de narrador e produtor musical e cultural.
Naquela ocasião, tentei telefonar para o número que aparecia no website dele. Esperava falar com algum parente, mas, para minha decepção, o telefone não existia mais…

Também pesquisei na base de dados da Cinemateca Brasileira, que guardou parte do acervo da TV Tupi, mas nada… Vale lembrar que a TV Tupi sofreu vários incêndios nos anos 70 e 80 e perdeu muito de seu acervo.
Meus próximos passos foram contatar pessoas que trabalharam na Tupi no final dos anos 60. E graças a elas cheguei á esposa de Walter Silva, a artista plástica Dea Silva.
Ela foi muito simpática e me recebeu em sua casa, em São Paulo. E, diante de minha cara de espanto, mostrou todo o arquivo de Walter, com centenas de recortes de revistas e rosters de times da NFL que ele recebia da CBS para as partidas. Uma lembrança que nunca sairá da minha cabeça.
As narrações aconteciam – acredite – no mesmo prédio onde hoje ficam os estúdios da ESPN!
Dea também me falou que, na primeira partida transmitida, em setembro de 1969, Silva teve a humildade de pedir ajuda no ar, convocando alguma pessoa que conhecesse bem aquele esporte a entrar em contato com a TV Tupi. Isso aconteceu, e o entrevistado abaixo é essa pessoa.
O americano Thomas Noonan foi o primeiro comentarista de futebol americano no Brasil, em 1969. Hoje, ele mora em San Diego, nos Estados Unidos, e é consultor financeiro, após uma longa e bem sucedida carreira no Citibank.
Thomas Noonan me atendeu com extrema simpatia. Ele fala e escreve perfeitamente em português e, com bom humor, relembrou os bons tempos do início da bola oval no Brasil. Confira a entrevista que fiz com ele em 2010, publicada no meu extinto blog Football Funny Stuff.
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ENTREVISTA COM O PRIMEIRO COMENTARISTA DE NFL DO BRASIL

(realizada em 2010)
Paulo Mancha: De onde você é nos Estados Unidos?
Thomas Noonan: Nasci em Iowa, mas morei em Los Angeles até ir para a Universidade de Yale, em Connecticut.
Paulo Mancha: Você jogava futebol americano lá?
Thomas Noonan: Sim, eu joguei na escola e também durante os meus primeiros dois anos na universidade. Eu era quarterback, porque tinha um braço bom, tanto em distância quanto em precisão.
Paulo Mancha: Como veio parar no Brasil?
Thomas Noonan: Depois de dois anos em Yale, decidi estudar no exterior. Escolhi um programa da Universidade de Nova York em colaboração com a Faculdade de Filosofia da USP chamado “Junior Year In Brazil.”
Paulo Mancha: Foi uma boa experiência?
Thomas Noonan: Aquele ano no Brasil mudou minha vida. Ele abriu meus olhos para novas experiências de vários tipos. Conheci muitas pessoas fabulosas em São Paulo, aprendi a falar Português rapidamente, porque todos os nossos cursos era na língua do país, e durante nossas férias viajamos para a muitas partes, de Porto Alegre a Belém do Pará.
Paulo Mancha: E você ficou por aqui direto?
Thomas Noonan: Não. Voltei a Yale por mais dois anos para me formar. Depois, acabei indo para Nova York, trabalhar no Citibank. Após 18 meses de cursos, fui designado para trabalhar no Brasil. Primeiro em Curitiba, depois em São Paulo.
Paulo Mancha: Como você se tornou comentarista da TV Tupi?
Thomas Noonan: Numa tarde de setembro de 1969, eu cheguei em casa e liguei a televisão. Fiquei surpreso ao deparar com um jogo da NFL entre o Green Bay Packers e Dallas Cowboys. A narração era em português e eu rapidamente compreendi que se tratava de um locutor de soccer, pois fazia frequentes referências ao futebol brasileiro. Havia comentários como: “Esse jogo é gozado!”, “Que brutalidade!”,”Opa! Isso vai doer!”, “Todo mundo foi em cima do coitado!”.
No dia seguinte, pedi à minha secretária que telefonasse à TV Tupi. Após vários minutos, ela veio até mim dizendo que tinha o Sr. Walter Silva no telefone. Depois que eu me apresentei, Walter me perguntou, incrédulo: “Você entende desse jogo doido?” Eu respondi que tinha jogado por vários anos. Ele adorou isso e gritou: “Fantástico! Vamos almoçar! Hoje mesmo!”
Paulo Mancha: E foi aí que surgiu o convite?
Thomas Noonan: Sim. Durante o almoço, Walter me explicou que a TV Tupi estava recebendo as fitas da CBS por 18 meses gratuitamente, com a esperança de que uma base de fãs fosse desenvolvida durante este tempo. E então ele me convidou para acompanhá-lo no jogo do domingo seguinte.
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Paulo Mancha: Você lembra em que partida foi essa sua estreia na TV?
Thomas Noonan: Sim, foi entre o San Francisco 49ers e Chicago Bears.
Paulo Mancha: Como foi a experiência de comentar um esporte que ninguém conhecia, nem o narrador?
Thomas Noonan: De início, perguntei a Walter que tipo de preparação ele fazia para cada jogo. Ele respondeu que não fazia preparação nenhuma porque não tinha noção de como era o jogo e não falava bem o inglês. Eu lhe disse que seria preciso gastar pelo menos três horas para preparar a nossa narração, dado que os espectadores brasileiros não conheciam o esporte.
Ele concordou. Desta forma, na tarde do sábado seguinte, no estúdio a TV Tupi, em Perdizes, eu e ele passamos três horas em uma sala de projeção assistindo certas partes da partida repetidamente.
Paulo Mancha: O Walter Silva era interessado em futebol americano?
Thomas Noonan: Sim, o Walter passou a adorar o esporte. Ele assistia tanto quanto ao futebol brasileiro. Ele lançava-me perguntas sobre cada aspecto do jogo e tomava notas furiosamente.
Paulo Mancha: Vocês explicavam as regras e táticas para o público?
Thomas Noonan: Sim. Originalmente, nosso tempo era das 14h às 16h. Mas depois de algumas semanas, Walter convenceu a TV Tupi a nos dar um adicional de 30 minutos antes do jogo. Ele me fazia perguntas no ar e eu respondia. Eu até desenhava diagramas com aqueles “X” e “O”, que se tornaram rotina na televisão americana.
Paulo Mancha: É verdade que só jogos do Dallas Cowboys eram exibidos?
Thomas Noonan: Não. Não foram apenas partidas do Dallas Cowboys, embora possam ter sido as mais freqüentes. Durante os 18 meses que fizemos a programas, tivemos a maioria das equipes originais da NFL, que hoje são times da NFC: Cowboys, Giants, Eagles, Rams, 49ers, Bears, Lions, Packers, Colts, Steelers e Browns.
Paulo Mancha: Vocês chegaram a mostrar o Super Bowl?
Thomas Noonan: Não. Só dois Super Bowls haviam ocorrido até então. Mas nós não tivemos acesso a essas fitas.
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Paulo Mancha: Havia uma boa audiência?
Thomas Noonan: Depois de algumas semanas, nós começamos a receber um monte de cartas de fãs. Muitas mulheres enviaram suas fotos e números de telefone! Mas eu não sei se a TV Tupi chegou a ter qualquer dado confiável quanto ao número de telespectadores que tivemos.
Paulo Mancha: Quem eram seus ídolos na época?
Thomas Noonan: Meus jogadores favoritos eram Don Meredith (QB) e Bob Hayes (WR), dos Cowboys, além de Bart Starr (QB) e Jim Taylor (RB), dos Packers.
Paulo Mancha: Você e Walter se davam bem?
Thomas Noonan: Sim, nós nos tornamos grandes amigos. Nós costumávamos almoçar juntos frequentemente.
Paulo Mancha: Você ainda acompanha a NFL? Para que time torce? (pergunta feita em 2010)
Thomas Noonan: Sim, eu ainda sou um grande fã. Minha lealdade muda com o tempo, dependendo dos jogadores. Por exemplo, eu sempre fui um grande fã de Brett Favre e Ricky Williams. Favre está agora com os Vikings, e Williams, com os Dolphins. No momento, estes são os meus dois times favoritos.
Paulo Mancha: Qual seu palpite para o Super Bowl deste ano? (pergunta feita em 2010)
Thomas Noonan: As duas melhores equipes deste ano são os Colts e os Saints. Eles seriam a melhor aposta para o Super Bowl.
Paulo Mancha: Que mensagem você deixa para os fãs brasileiros? (pergunta feita em 2010)
Thomas Noonan: Façam tudo o que puderem para ver uma partida ao vivo, no estádio. Mesmo que não seja da NFL, você ficará surpreso com a rapidez do jogo e com a dureza dos tackles!
Veja a matéria que a ESPN fez esta semana
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♦ E conheça o site de Walter Silva
Cara, sensacional! Parabéns!
Legal demais!! Adorei !
Mancha, acabei de ver o Eve chamando o The Book na sexta que vem com o Thomas. Vim correndo pro site ver a entrevista. Cara, que história incrível! Tive o prazer de ser uma das últimas pessoas a entrevistar o Pica Pau, um ano antes da morte dele (mesmo que por email), e não sabia dessa história fantástica! Uma pena nao termos imagens da época, mas que bom que temos grandes contadores de história como você para recuperar causos como esse. Um orgulho ter trabalhado um tempo na ESPN e ter colegas competentes como você, parabéns pela história e pela entrevista. Grande abraço!
Obrigado pelas palavras, Rafael!
Muito bacana!
Parabens pelo esforço de realizar essa quase impossivel entrevista.
Q show d materia q maravilha a origem da nfl no brasil a semente plantada e hj vejam o tamanho da paixão do povo pela nfl
É fantástico perceber o quão rico são as histórias do futebol americano em nosso país e que legal, me emocionei ao ver a reportagem da ESPN e ao ler a entrevista nessa página. Parabéns Paulo Mancha pelo trabalho de pesquisa e por proporcionar tanto conhecimento acerca desse esporte que passei a compreender faz poucos anos mas continuo me apaixonando.