Niágara: o Canadá que você (também) não conhecia!

Semana passada, falei sobre Yukon, a gigantesca província no extremo noroeste canadense, com sua beleza rústica. Hoje, é a vez do oposto: Niágara, a pequena e singela região mais ao sul do país, um cenário de conto-de-fadas

Texto e fotos por Paulo Mancha ©

São menos de duas horas de carro de Toronto até as Cataratas de Niágara, uma das atrações turísticas mais famosas do planeta. Não é à toa que mais de 12 milhões de visitantes invadam a região fronteiriça de Canadá e Estados Unidos todos os anos, para ver o espetáculo das três grandes quedas d’água do Rio Niágara, que liga os lagos Erie (no lado americano) e Ontário (na porção canadense).

Pena que nem sempre o turista brasileiro saiba de tudo o que há para curtir por ali e pelos arredores. Em minha primeira ida a esse recanto, uns quinze anos atrás, o pacote oferecido por uma operadora brasileira era pra lá de superficial. Um olhar nas cataratas desde o calçadão da margem e fim de papo.

Ao voltar recentemente e explorar de fato as alternativas da região, percebi o quão maior que uma simples queda d’água é Niágara.

Para começar, as cataratas ficam praticamente dentro da cidade de mesmo nome. Dá para apostar seus dólares num cassino, fazer compras ou tomar um café com vista para a maravilha da natureza.

Não é só isso. As formas de interagir com o fenômeno em si são as mais diversas. Uma das mais impressionantes é o Journey Behind the Falls. Trata-se de um complexo de túneis cuidadosamente esculpidos na rocha sob as Horseshoe Falls (a porção canadense das cataratas). Isto significa ser conduzido a pontos inatingíveis de outras formas, como o miolo da queda d’água.

Ao trilhar esses caminhos subterrâneos e se deparar com os inusitados mirantes, fiquei ensopado: a névoa criada por Niágara é inclemente!

É verdade que, ao comprar o ingresso, você ganha uma daquelas capas de chuva amarelas celebrizadas em filmes e desenhos animados da TV. Mas só nas aventuras do Picapau elas adiantam muito…

O mesmo acontece se você decidir navegar até a garganta em si. O passeio no barco da empresa Hornblower Niagara Cruises dura vinte minutos e é tão divertido quanto molhado. Mas vale a pena pelo visual.

Um jeito mais seco de apreciar as Cataratas de Niágara é pelos céus. Algumas operadoras de tours oferecem o sobrevoo de helicóptero, com cerca de 10 minutos de duração.

Eu experimentei o da Niagara Helicopters e posso dizer que foi o ponto alto (sem trocadilho) da expedição. Tudo muito organizado e confortável (e caro: $ 144 por 20 minutos), numa aeronave para seis passageiros, com audioguia que apresenta o que de mais bacana há pelo caminho, culminando nas quedas d’água em si.

Niagara-on-the-Lake: a cidade das flores… e do vinho!

Se a cidade de Niagara Falls é agitada, cheia de gente, cassinos e restaurantes turísticos espalhafatosos, existe a vinte minutos dela um delicioso contraponto. Ele vai surgindo conforme se pega a estrada em direção ao Norte.

O frenesi fica para trás e despontam cenários bucólicos, da região vinícola mais importante do país: Niagara-on-the-Lake.

Você nunca ouviu falar dos vinhos canadenses? Tudo bem, a culpa é da produção módica, que acaba sendo consumida ali mesmo ou nas grandes cidades do país, com raríssimas garrafas sobrando para cruzar fronteiras.

A qualidade, contudo, é digna de exportação. Isso por causa de fatores como o microclima de nuances mediterrâneas, o solo excelente para uvas como Pinot Noir e Cabernet Franc e a latitude ótima – a mesma dos vinhedos de Bordeaux, na França.

Assim, ao longo do tempo, vinte e sete vinícolas se estabeleceram por ali, a maioria delas familiares e de pequeno porte, mas quase todas abertas à visitação, com direito a degustação, passeios pelos vinhedos, cursos, loja e ótimos restaurantes.

O mais notável produto da região é o ice wine, vinho de sobremesa produzido a partir de uvas propositalmente congeladas ainda nos vinhedos e, depois, submetidas à fermentação em baixíssimas temperaturas.

Na visita que fiz à Peller Estates Winery, fui surpreendido por uma incursão pela “10 Below”, nome da sala de degustação mantida a 10 graus abaixo de zero, onde você prova um dos mais célebres ice wines do mundo.

No restaurante da propriedade, o chef Jason Parsons prepara iguarias como o Icewine Chicken Liver Parfait, uma entrada feita com fígado de galinha e ice wine, servida como se fosse um sorvete. Parece estranho, mas é sublime.

Quem quiser aprender a criar essas extravagâncias culinárias pode recorrer à Strewn Cooking School, outra tradicional vinícola, cuja sede fica em um edifício histórico dos anos 1930.

Ali, os proprietários Joe e Jane Langdon operam uma escola de gastronomia, com aulas informais e divertidas, versando sobre as tradições da comida local.

Isso para não falar na Ravine Vineyard, a mais alternativa das bodegas de Niágara, a despeito de sua idade – ela fabrica uma sidra mais antiga que o próprio país, que acaba de completar 150 anos de sua emancipação.

Ali, tudo é orgânico e biodinâmico. Não só as uvas, mas também os produtos servidos no seu premiado restaurante. Tanto que virou atração turística percorrer as hortas e a criação de animais da vinícola.

A cidade que os americanos cobiçaram

Os vinhos preciosos, as paisagens idílicas e o clima ameno (bem menos frio que o de Toronto, por exemplo) fazem de Niagara-on-the-Lake um foco de visitação doze meses por ano. A cidadezinha de 17 mil habitantes de se transformou em destino certo de canadenses e estrangeiros em busca de paz, boa gastronomia, cultura e história.

Raríssimas vezes vi um lugar tão florido e arborizado. Fundada em 1792, ela foi palco de batalhas decisivas na Guerra Anglo-Americana de 1812, quando os vizinhos dos Estados Unidos a invadiram. Os canadenses não deixaram barato e a retomaram após uma violenta batalha.

Dessa guerra, restaram pontos marcantes, como o Forte George, hoje convertido em museu, e o Navy Hall, onde funcionou o primeiro parlamento da província. Um justo tributo a esta que foi a primeira capital do chamado Upper Canada (a atual província de Ontário).

Também sobreviveu à guerra a determinação de seu povo de transformá-la em um recanto ainda mais especial do que já era. Seu casario colonial georgiano passou a atrair manifestações artísticas de todas as searas no Século XX.

Desde 1962, a cidadezinha é palco do Shaw Festival – maior encontro artístico do mundo dedicado à obra do dramaturgo Bernard Shaw. E, nos últimos 30 anos, dezenas de filmes foram rodados em suas ruas, entre eles Encurralados no Paraíso (1994), com Nicholas Cage, e Amelia (2009), estrelado por Hilary Swank e Richard Gere.

Descobri tudo isso em um romântico passeio de charrete, oferecido pela Sentineal Carriages, que perpassa os cantinhos mais belos ou historicamente significativos, com a serenidade que é devida a esse lugar.

Vale muito a pena fazer esse passeio antes de se entregar aos mimos de hotéis cheios de glamour como o Prince of Wales ou  o Charles Hotel.

O primeiro enseja uma viagem ao passado. Foi erguido em 1864 e remodelado em 1901, quando se tornou uma hospedaria de primeira classe, repouso certo de autoridades e nobres que visitavam a região. Inclusive do então Príncipe de Gales (daí o nome do hotel), que ao voltar a Grã-Bretanha seria coroado como Rei George V.

A decoração de época, as obras de arte, os quartos amplos, repletos de histórias e a piscina subterrânea de rara beleza fazem do Prince of Wales Hotel uma atração por si só em Niagara-on-the-Lake.

Já o Charles Hotel não fica atrás, esbanjando charme em sua construção de 1832. Ali, fiz minha derradeira refeição em Niagara-on-the-Lake, desfrutando da cozinha do seu restaurante principal, o HobNob – citado à exaustão nos guias de viagem e de gastronomia.

No comando, um garotão tatuado, com piercings nas orelhas e olhar compenetrado: o chef executivo Steve Sperling. Com um sorriso característico de quem sabe que vai agradar, ele me serve uma entrada delicadamente preparada com foie gras e crosta de maple syrup – o xarope de bordo, um dos símbolos do país.

A harmonia de ambos os ingredientes e perfeita. A combinação, sublime e inovadora. Steve é a síntese de Niagara-on-the-Lake e desse Canadá orgulhoso de suas tradições, mas contemporâneo e de olhos no futuro. Como todos os países deveriam ser.


DICAS DO PARMESOLINO

GRANA… Dólar canadense ($).  $ 1 = R$ 4,06. “De boas? Troca em Toronto, onde o câmbio é melhor e você não perde dinheiro como o humano tonto, que deixou pra fazer isso no hotel chique de Niágara… 🤦‍♂️”, diz nosso mascote dedo-duro…

RELÓGIO…  Niágara tem apenas uma hora a menos que Brasília.

BUROCRACIAS… Brasileiro não precisa de visto de turista nem vacina. “Mas humanos têm que preencher e pagar uma bagaça chamada Electronic Travel Authorization (eTA) no site cic.gc.ca. E, durante a pandemia, brasileiros não podem ir para lá… 🙁”

VAI NEVAR? A região de Niágara é a mais quente de todo o Canadá. Dá para curtir o ano todo, inclusive no inverno. “Mas a primavera é a melhor estação, porque esses manos são pirados em cultivar flor. Tem de todo tipo, em todo canto da cidade. Marquei uns territórios lindos por ali… hi hi hi hi! 🐶”, diz o mascote mijão…

SURFA AÍ… ontariotravel.net

CURIOSIDADE: Tá vendo essa cordinha preta na foto abaixo?

Foi graças a ela que eu não virei estatística! Porque tava ventando pra caramba. Deu uma rajada e eu fui lá pra baixo, kkkkkkkk! Se eu não estivesse de coleira, o humano tava chorando até agora…” 

“E o resto da galera, rindo! kkkkkkkkkkkkk

 

Publicado por Paulo Mancha

Jornalista especializado em turismo, foi editor chefe da Revista Viajar pelo Mundo e repórter das revistas Terra e Próxima Viagem. Desde 2003, fez mais de 50 reportagens internacionais e, em 2012 e 2014, foi agraciado com o Prêmio de Melhor Reportagem da Comissão Europeia de Turismo. Comentarista esportivo do canal ESPN, Paulo decidiu unir neste blog as duas paixões: viagens e esportes.

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