Park City: onde esqui é coisa de cinema!

Festival de filmes, restaurantes badalados, galerias de arte, diversão infantil, compras… O maior complexo de esportes de neve dos Estados Unidos agrada mesmo quem não sabe nem colocar um esqui no pé

“Mas já chegamos?”, perguntei espantado ao nosso anfitrião, que dirigia o utilitário esportivo por uma ampla avenida cheia de neve. Afinal, não fazia nem 35 minutos que havíamos deixado o aeroporto de Salt Lake City, a capital de Utah, no oeste dos Estados Unidos. Minha surpresa tinha razão de ser. Já visitei muitas estações de esqui mundo afora e, quase sempre, elas se escondem em recantos remotos, separados da “civilização” por horas em estradinhas sinuosas e difíceis. Mas, em Park City, a coisa é diferente. São 60 quilômetros ligeiros numa ampla autoestrada e… here we are! Mais fácil, impossível.

Não admira que a maioria das competições da Olimpíada de Inverno de Salt Lake City, em 2002, tenha sido disputada nessa estação de esqui – e não na própria cidade-sede dos Jogos.

Park City é realmente um lugar notável. Com cerca de 10 mil habitantes fixos, ela atrai anualmente um número de visitantes 60 vezes maior que o de moradores. São 600 mil, segundos dados oficiais – a maioria deles na temporada de esqui, que se estende da última semana de novembro e até os primeiros dias de abril. Festivais esportivos e culturais preenchem o calendário (veja adiante sobre o Sundance Festival).

A porção do município onde se praticam esportes de inverno, chamada de Park City Mountain Resort, está a 2200 metros acima do nível do mar e abrange generosos 3 mil hectares esquiáveis. Ou seja, vinte vezes o Parque do Ibirapuera, em São Paulo.

São 348 pistas, divididas em 8% para iniciantes, 42% para praticantes de nível intermediário e 50% para experts no esporte. E os cumes e topos de pista são acessíveis por 41 meios de elevação – ou, em português mais claro, teleféricos, que podem ser desde cadeirinhas simples até gôndolas fechadas para mais de 10 pessoas.

Isso sem contar a idílica Deer Valley, estação de esqui irmã, localizada a apenas 10 minutos de carro e que, para efeitos de turismo, acaba se mesclando a Park City.

Uns minutinhos a mais e cheguei à minha hospedagem. Por falar nisso, são 133 alternativas espalhadas pela cidadezinha e seus arredores. Há desde hotéis econômicos, bem simples, a US$ 150 por noite até resorts suntuosos com diárias 10 vezes mais caras…

Para nós, brasileiros, que gostamos de viajar em família, o tipo de lugar onde me alojei é bastante vantajoso. Fiquei no The Lowell, um dos vários “condos” disponíveis em Park City. São apartamentos grandes, com vários quartos, que comportam facilmente um casal, seus filhos e demais parentes – ou simplesmente um grupo de amigos.

Reservando com antecedência pela internet, você consegue diárias a menos de US$ 100 por pessoa – isso num amplo apartamento com cozinha completa (o que permite uma boa economia, já que hotéis americanos não costumam cobrar à parte pelo café da manhã), sala, lareira, TV por assinatura, DVD player, lavanderia, piscina aquecida, garagem e o que é melhor: serviço de limpeza e arrumação diários, inclusos no preço.

Vai já pra escola!

No meu caso, a hospedagem era ao sopé da montanha, o que já atiçou a vontade de cair na neve. É bom dizer que, na base das pistas, proliferam escolas de esqui – não tem desculpa para o brasileiro iniciante fugir de uns tombos divertidos e de jornadas morro abaixo mais bacanas ainda.

Não é exatamente barato: uma aula para adulto sai por US$ 219. Mas há pacotes e promoções que baixam muito os preços. E, com duas aulas, já se aprende o suficiente para garantir a diversão pelo resto da semana.

Parmesolino metaleiro e seus esquis

Você deve estar perguntando: “Mas e os equipamentos?” Pois saiba que também não faltam lojas que alugam os apetrechos. Uma delas, a Ski Butlers, vai até o seu quarto de hotel com tudo o que você precisa, inclusive com diversos tamanhos de botas, capacetes e esquis para você escolher.

Uma dica: se é fácil alugar os equipamentos, o mesmo não vale para as roupas impermeáveis, obrigatórias para atividades de inverno como o esqui e o snowboard. Melhor mesmo é comprá-las. O problema é que, nas lojas do sopé da montanha, os preços são tão altos quanto os cumes ao redor. Tudo bem se você esquia com frequência; pode até valer a pena, em vista da qualidade e durabilidade. Caso contrário, esqueça as lojas chiques e vá ao Walmart – a rede de supermercados americana onde se vende de tudo. Há jaquetas, calças e outros apetrechos para esqui e snowboard por um terço do preço.

Em tempo: não pense que as atividades se restringem a esqui e snowboard. Dá para se aventurar em passeios de snowmobile (aquela moto de neve, semelhante a um jet ski), snowbiking (uma bicicleta adaptada para o gelo), jornadas de trenó puxados por cães, rinque de patinação…

Só fique esperto para não atrapalhar os profissionais. Sim, porque volta e meia os melhores esportistas de inverno do planeta vêm dar o ar da graça em Park City. No começo de fevereiro, por exemplo, foi realizado o Campeonato Mundial de Snowboard, Freestyle e Freeski, organizado pela Federação Internacional de Esqui (FIS).

Respira-se espírito esportivo, por sinal. Há por todo lado cartazes, obras de arte e monumentos que remetem aos Jogos Olímpicos de Inverno de 2002. Um dos hotéis mais sofisticados da região, o Stein Eriksen Lodge, teve seu nome e decoração inspirados numa lenda do esqui, o norueguês Stein Eriksen.

Aliás, o Utah Olympic Park está lá e, além de abrigar grandes competições, oferece visita guiada e um museu simplesmente fantástico. Mesmo que você não entenda nada de esqui, snowboard, curling e companhia, uma passada pelo complexo olímpico é recompensadora. A vista panorâmica no alto da rampa de saltos é indescritível. E os simuladores ultratecnológicos do museu divertem crianças e adultos.

Ah, sabe o bobsled, aquele trenó em forma de bala que desce por uma pista a velocidades de até 110 km/h? Você pode ter essa experiência também. Com um instrutor junto, é claro. E, além dele, uma novidade para 2019 é a tirolesa com sete paradas. A quase 50 metros de altura, quem for suficientemente corajoso ganha o direito de cruzar uma área com cenários espetaculares, a nada menos que 60 km/h.

Arte por toda parte

Park City vai além dos esportes na neve. Uma avalanche de cultura e arte toma a porção central do município tanto no inverno quanto no verão.

Um dos momentos mais prazerosos para mim foi o passeio pela “Historical Main Street”. Essa rua de um quilômetro de extensão remonta aos tempos do Velho Oeste. Nela ficavam, no Século 19, os “saloons”, bordéis e hospedarias da antiga cidade mineira. Hoje, é coalhada de galerias de arte (19 ao todo), cafés charmosos, lojas chiques, restaurantes e centros culturais.

O Park City Museum, por exemplo, é um must go. É um caprichado museu repleto de vídeos, displays interativos e objetos relativos à história desse recanto que já foi um importante centro de mineração de prata, aonde milhares de migrantes recorreram em busca de fortunas por volta de 1850.

Dá para desvendar desde aqueles tempos áureos (com o perdão do trocadilho) até a decadência no Século 20, que fez de Park City uma “cidade-fantasma”, culminando com o renascimento a partir dos anos 1960, quando se decidiu investir no esqui e na hotelaria.

Qual não foi meu espanto ao me deparar com um antigo veículo subterrâneo de transporte de minério que, no começo da estação de esqui, acabou sendo improvisado para levar os turistas ao alto da montanha por um túnel escavado dentro dela? Park City surpreende a cada metro desbravado…

Quase ao lado do museu, topei com o The Egyptian Theatre – uma pérola histórica e arquitetônica. Esse teatro inaugurado em 1926 abriga há mais de 90 anos as mais importantes expressões artísticas – desde filmes do badalado Festival de Cinema Sundance até shows de bandas de rock ou cantores pop famosos.

Para quem curte compras, uma curiosidade: há 314 lojas por todo o município, algumas “chiquérrimas”, outras cheias de pechinchas. Mas praticamente todas de grifes locais. É isso mesmo: não vi nenhuma das grandes marcas por ali. Depois soube que é uma política governamental, que visa incentivar os produtores de roupas, artesanato e artigos esportivos da própria cidade.

A exceção é o Tanger Outlet Center, um pouco afastado do centro, onde é possível desfrutar de pontas de estoque de 65 marcas de diferentes segmentos, como Nike, Tommy Hilfiger e Polo Ralph Lauren.

Deer Valley: glamour na neve

Quando alguém fala em Park City, é muito comum vir junto “Deer Valley”. Afinal, essa estação de esqui vizinha demanda menos de 10 minutos de carro para ser acessada. Mas há diferenças fundamentais – o que faz com que se completem.

Deer Valley Resort, como se chama oficialmente, não permite a entrada de snowboarders em suas trilhas. É destinada exclusivamente a esquiadores e conta com 101 pistas e 21 meios de elevação. Faz parte do sistema Ikon Pass. Ela oferece acomodações e restaurantes de altíssimo padrão (e preços também nas alturas, é bom ressaltar).

Ali fica o espetacular Montage Deer Valley Resort – um dos hotéis mais luxuosos dos Estados Unidos, debruçado em um penhasco a 2500 metros acima do nível do mar, com um cenário inigualável aos seus pés.

A diária não é pra qualquer um:  US$ 1200. Mas ele é do tipo “ski-in/ski-out”, ou seja, você já sai do hotel com os esquis nos pés, diretamente nas pistas. E, quando volta, pode curtir o aprés ski no Veuve Clicquot Rich, um lounge muito agradável, montado no meio da neve e patrocinado pela famosa marca de champanhe.

O Montage tem ainda o maior spa do estado de Utah, cinco restaurantes de estirpe, incluindo um pub com sua própria pista de boliche, além de atividades para o ano todo, como mountain bike, golfe, shows ao ar livre, pesca e trekking. Para quem quer curtir a montanha em alto estilo…

Saiba mais: http://www.ikonpass.com  e  http://www.deervalley.com

Tem Brasil na neve!

Graças ao protecionsimo, sobreviveram nos bairros centrais estabelecimentos icônicos como a Southwest Indian Traders, loja que parece tirada de um filme de bangue-bangue. Ela existe há 70 anos e começou como um pequeno empório para os donos de ranchos das imediações. Hoje, é uma atração turística, vendendo desde estátuas de índios até chapéus de cowboy e roupas. Um dos pontos altos da Main Street.

Por falar nessa rua, um detalhe importante: ninguém precisa de carro em Park City. Há um charmoso bondinho gratuito que sobe e desce a rua sem parar, além de ônibus (igualmente sem tarifa) que levam da Main Street até outros bairros, inclusive as áreas de montanha, onde repousa a maioria dos hotéis.

Com isso, fica fácil também explorar outra faceta: a gastronômica. São 197 opções entre restaurantes, lanchonetes, cafés, bares, pubs, discotecas e doceiras. Em minha passagem por Park City, pude vivenciar os extremos da sofisticação e da informalidade – ambos igualmente agradáveis, para ser sincero.

Há restaurantes opulentos, como o Riverhorse on Main, inúmeras vezes premiado pela revista Forbes e pelas principais publicações de viagens do país. Ele serve iguarias como ostras ao molho de champanhe ou linguado do Alasca com crosta de macadâmias. Com sabor e qualidade nas alturas – preços condizentes, é preciso alertar.

Mas existem também os despojados, como o The Bridge, onde, a qualquer hora você pode pedir uma porção de… coxinhas! Sim, graças ao chef e proprietário brasileiro, o paraense Emerson Oliveira, esse restaurante informal serve comida boa, barata e com um toque de Brasil. Está sempre lotado e animado.

Faça sua própria birita

Entre um e outro extremo, existem ainda restaurantes inovadores como o 5Seeds, de inspiração internacional, que funciona só para café da manhã e almoço. Ele serve pratos inventivos como o shakshouka, a base de ovos cozidos, queijo feta, torradas e dukkah marroquina (uma espécie de farofa crocante à base de especiarias, grãos diversos e oleaginosas). O ambiente é tão moderninho que a casa passou a atrair artistas de todos os tipos – os membros da banda The Killers, por exemplo, são habitués.

O turismo gastronômico inclui experiências de imersão, como o jantar durante o qual você inventa e produz uma nova bebida. Isso acontece na Alpine Distilling, uma fábrica de gim que montou um bar exclusivamente para essa brincadeira. Ao longo de duas horas, o visitante escolhe entre dezenas de ingredientes e “cria” um destilado personalizado. Durante o processo, degusta várias comidas regionais harmonizadas com drinques à base de gim.

Sundance: o calor do cinema

Todos os anos, no final de janeiro, em pleno ápice da temporada de inverno, é realizado o Sundance Film Festival, maior e mais importante evento de cinema independente dos Estados Unidos. Park City é invadida por centenas de atores, atrizes, diretores e produtores, além de milhares de cinéfilos de todos os cantos da Terra. Este ano, foram mais de 48 mil visitantes.

Pré-estreias, tapetes vermelhos, festas e debates esquentam o clima nesse evento criado em 1978. Uma figura sempre presente é o ator Robert Redford, envolvido na organização desde 1981. Fanático por Park City, ele até já teve um restaurante por lá. Por sinal, o nome do festival de cinema vem de seu personagem no clássico de Hollywood “Butch Cassidy e Sundance Kid”.

A abundância de experiências esportivas, culturais, gastronômicas e de compras é tão marcante que meus quatro dias por ali passaram voando. Certamente, o viajante brasileiro também ficará com um gostinho de “quero mais” ao se despedir dessa região das Montanhas Rochosas.

Quando o potente utilitário esportivo buzinou em frente ao hotel, minha reação foi de surpresa, tanto quanto no dia da chegada: “Mas já vamos embora?”


DICAS PRÁTICAS

Melhor época para ir – A temporada de esportes de neve abre geralmente na última semana de novembro e vai até o começo de abril. Mas há atividades e eventos durante o ano todo.


Transporte na cidade – Ônibus gratuitos ligam o centro histórico aos hotéis. Uber e táxis também são uma boa pedida. Se decidir alugar um carro, lembre-se que no inverno neva muito e o sobe-e-desce pelas ruazinhas congeladas se torna traiçoeiro.


Não perca!

Aula de esqui e snowboard em Park City Park City Mountain Resort, parkcitymountain.com, US$ 219 (aula de 4 horas)

Aula de esqui em Deer Valley Ski School Deer Valley Mountain, deervalley.com/WhatToDo/SkiSchool, US$ 200 (aula de 4 horas)

Bobsled Experience – Utah Olympic Park 3419 Olympic Pkwy, Park City, utaholympiclegacy.org, US$ 175

Egyptian Theatre 328 Main St, Park City, egyptiantheatrecompany.org, preços variam conforme o evento.

Museu do esqui no Utah Olympic Park 3419 Olympic Pkwy, Park City, utaholympiclegacy.org, Entrada gratuita.

Park City Museum 528 Main St, Park City, parkcityhistory.org, US$ 12

Ski Butlers 1821 Sidewinder Dr, Park City, kibutlers.com/park-city-ski-rentals US$ 300 (4 dias de aluguel de esquis, capacetes e bastões)

Southwest Indian Traders 550 Main St, Park City, historicparkcityutah.com/southwest-indian-traders, entrada gratuita.

Tanger Outlet 6699 N Landmark Dr, Park City, tangeroutlet.com/parkcity, entrada gratuita

The Gin Experience – Alpine Distilling 7132 N Silver Creek Rd, Park City, alpinedistilling.com. Visita guiada US$ 15; Jantar com aula de fabricação de gim US$ 400 (para duas pessoas).


Site oficial: visitparkcity.com

 

Publicado por Paulo Mancha

Jornalista especializado em turismo, foi editor chefe da Revista Viajar pelo Mundo e repórter das revistas Terra e Próxima Viagem. Desde 2003, fez mais de 50 reportagens internacionais e, em 2012 e 2014, foi agraciado com o Prêmio de Melhor Reportagem da Comissão Europeia de Turismo. Comentarista esportivo do canal ESPN, Paulo decidiu unir neste blog as duas paixões: viagens e esportes.

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